chuvas; bebidas para o carnaval; mortes na itália; carnaval; mortes no brasil; lives; olimpíadas canceladas; lives; ensino remoto emergencial; black lives matter; queimadas; lives
ler é fazer o nosso corpo trabalhar (sabe-se desde a psicanálise que o corpo excede em muito nossa memória e nossa consciência) ao apelo dos signos do texto_ Barthes
deixar que as palavras cresçam dentro dos poucos metros quadrados suspensos, cercados por paredes pintadas de branco, onde, alternativamente, durante todos os últimos meses, eu me escondi
fato era uma palavra simples, quase boba, quando eu mesma a escrevi pela primeira vez; hoje, fato talvez seja a palavra mais importante de todas
Confinada desde março de 2020 por conta da pandemia, descobri na janela de meu próprio apartamento uma plataforma para intervir na paisagem da cidade que me faz tanta falta. Para compartilhar com meus vizinhos e com a rua as palavras que me afetam, ocupei essa janela transformando-a atelier e espaço expositivo.
admito que só construí um convívio pacífico com o erro às custas de vários cadernos deixados em branco e muitas horas perdidas para a ansiedade que nasce toda vez que eu me encontro disposta a escrever;
assim como Martim, eu eventualmente conclui que a solução mais acertada, a única solução possível, seria falhar; falhar repetidamente, constantemente; falhar tanto que nenhuma palavra restasse indubitavelmente escrita
tenho pensado na arte do desequilíbrio ━ na arte que é recusa do que é estático; que é anseio por armadilhas; que é autêntica, apesar de e justamente por ser inconstante; que é indeterminada
há quem diga que o mundo parou em 2020, mas o mundo não pára, o mundo nem sequer anda; quem anda, quem se transforma, quem envelhece sou eu, somos nós; apesar das paredes que erguemos para afirmar o contrário; apesar dos relógios que criamos para encarcerar o tempo
quantas vezes é preciso repetir uma palavra até que se conheça ela profundamente?
quantas vezes é preciso evitá-la para que ela morra?
algumas palavras são mais fortes do que as outras não porque dizem muito, mas porque não dizem quase nada ━ desse nada que também é tudo
vivemos a ilusão de um distanciamento social; ilusão não por conta da internet, mas pelas pessoas que passam nos ônibus abarrotados e aquelas que sei que estão atrás das paredes e vidros desses prédios que me cercam, apesar de nunca aparecerem nas janelas;
tenho olhado bastante para os prédios; tenho procurado as janelas da minha casa
o tique-tatear do relógio
na parede da casa vazia;
vazio que vibra nos móveis,
no chão de tábua corrida;
da palavra que implode
sob o peso do silêncio,
intocável
esses dias, tenho andado com a cabeça nas nuvens atravessadas pelos urubus do centro de Belo Horizonte; ontem, eu vi um pousar no topo de um dos prédios mais altos e ficamos nos encarando não sei por quanto tempo
quando ele voou, procurei com alguma ansiedade o chão,
onde encontrei meus pés descalços ━ vai ser bom voltar a usar sapatos
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